ícone whatsapp

Grupo de trabalho discutirá propostas para melhorar rede de assistência em partos

06.11.2019 · 12:00 · Audiência Pública

Os riscos e benefícios do parto domiciliar foram debatidos em Audiência Pública na Câmara Municipal de Campo Grande, na manhã desta quarta-feira. A discussão foi proposta pela Comissão Permanente Saúde da Casa de Leis, presidida pelo vereador Dr. Livio. Foram apresentados dados mostrando aumento nos partos normais realizados nos hospitais da Capital, novas medidas para melhorar as práticas de humanização, mas também avanços em toda redes de assistência que precisam ser ampliados. O vereador encaminhou pela criação de Grupo de Trabalho para ampliar as discussões sobre o tema.  

 

Em relação ao parto em casa, médicos apontaram os perigos de ocorrências inesperadas, sem dispor de estrutura suficiente para atender mãe e recém-nascido. Doulas, mães que tiveram parto domiciliar, Defensoria Pública e representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) enfatizaram o poder de escolha da mulher e sua autonomia para definir o parto de sua preferência, dispondo de todas as informações necessárias sobre estrutura disponível, riscos e necessidades. A possibilidade de uma Casa de Parto também foi debatida. O Plenarinho da Casa de Leis ficou lotado de profissionais da saúde, doulas e mães que participaram das discussões.  

O vereador Dr. Livio enfatizou o objetivo da Audiência para escutar as diversas opiniões dos atores que fazem parte desse cenário. Foi criado Grupo de Trabalho envolvendo Secretaria Municipal de Saúde, Sociedade Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, Conselho Regional de Enfermagem, Associação das Doulas, entre outras entidades. “A informação, a escolha, a responsabilidade de todos os profissionais, a cooperação e, de forma unânime, a necessidade de existência de fluxo de atendimento, com protocolo e equipe treinada”, disse o vereador. A ideia é já ter proposições até o fim do ano para avançar na política de assistência a mãe, filho e pai, além de melhorar fluxo da rede obstétrica como um todo. 

O vereador Dr. Wilson Sami, médico obstetra e vice-presidente da Comissão de Saúde, ressaltou a importância de ter bom senso. “Em toda situação, temos que entender a técnica do parto normal. Não temos publicação sobre os casos de parto domiciliar, mas não tenho dúvida de que o melhor lugar é o hospital, onde eu tenho o neonatologista ao meu lado”, afirmou, ressaltando que a mulher tem seu direito de escolha, mas precisa avaliar também os riscos ao nascituro. “Temos risco maior de danos neurológicos no parto domiciliar. É muito mais fácil tornar ambiente hospitalar agradável do que deixar o domicílio um ambiente seguro”, ressaltou. O vereador enfatizou ainda a importância da presença da equipe multidisciplinar na preparação e durante o parto. 

A vereadora Enfermeira Cida Amaral, vice-presidente da Comissão de Saúde, relembrou que ainda em 1996 fez especialização em Obstetrícia e precisou fazer estágio em São Paulo. “Naquela época era muito difícil, e já comecei a sonhar com uma Casa de Parto. Por que não discutirmos uma Casa de Parto, a real função da enfermeira obstétrica dentro de centro obstétrico de casa de parto. Convido para que reforcemos essa questão, porque parto domiciliar ainda é para poucos”, afirmou. 

Partos nos hospitais 

A presidente da Sociedade Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia de Mato Grosso do Sul, Vanessa Chaves Miranda, apresentou estudos e pareceres que balizam o mesmo entendimento da Federação de Ginecologia e Obstetrícia pela defesa do parto em ambiente hospitalar. No Brasil, não existem estatísticas sobre os partos domiciliares. Ela apresentou, no debate, dados sobre os partos na Holanda, Inglaterra e Estados Unidos.   

“Tenho enfermeira, parteira e doula, mas tenho sistema de transporte seguro e hospital sabe que estou em trabalho de parto? Se preciso ser transferida, tenho como ir? São alguns questionamentos que precisam ser feitos. Tenho treinamento efetivo nestes países e essa estrutura”, disse Vanessa. Os estudos mostram que a mortalidade neonatal e os casos de dano neurológico são maiores no parto domiciliar. Além disso, a transferência aos hospitais chega a levar quase duas horas. “A classificação de risco é dinâmica, pois pode se transformar alto risco no decorrer do trabalho de parto. É muito mais seguro oferecer ambiente hospitalar com acolhimento do que transformar domicílio em ambiente para o parto”, relatou.

A médica obstetra Claudia Lang, diretora técnica da Maternidade Cândido Mariano, apresentou dados sobre melhorias que foram feitas para aprimorar a atenção ao parto, as chamadas boas práticas, para diminuir os casos de violência obstétrica. “Temos avançado para as pacientes sentirem-se seguras”, disse. A maternidade realiza 700 partos por mês (normal e cesariana). Ela elencou a participação de equipe multidisciplinar, o índice de 97% em partos com acompanhante, redução dos casos de episitomia (incisão na região do períneo) para 11% e também alto índice (92%) de aleitamento materno na primeira hora logo após o nascimento.  

Representando o Hospital Universitário, o médico Ricardo Santos Gomes, apresentou dados sobre a redução no número de cesáreas. Em janeiro de 2017, por exemplo, elas correspondiam a 70% dos partos realizados no hospital, número que caiu para 35% em janeiro deste ano. “Temos que criar mecanismos para acompanhar o que o bebê está falando. O ideal é deixarmos o hospital mais seguro, onde é possível uma reação rápida e há equipe com treinamento para emergência”, afirmou. 

O médico destacou ainda o acompanhamento do pai na hora do parto, estrutura para melhorar as condições de ambiente durante o trabalho de parto e estímulo à amamentação logo após o nascimento como práticas adotadas para melhorar o parto normal no hospital.  Sobre os riscos do parto domiciliar, ele exemplificou sobre a distócia de ombro, em que o parto não progride porque os ombros do bebê ficam presos no canal de parto. “Temos 5 minutos para tirar bem o bebê.  50% dos casos acontece em mães que não tem qualquer risco, em que não consigo prever. Caso precise, como será essa reanimação dentro de casa?”, disse.  

Na Santa Casa, também foram feitas melhorias para incentivar o parto normal e garantir a humanização, as quais foram elencadas pelo chefe da Obstetrícia, médico Willian Leite Lemos Júnior. “O paciente deseja conforto, deseja estar perto da família, ter esse acompanhamento. Todos os pré-requisitos podem ser supridos no ambiente hospitalar, com adendo de ter suporte para mães e bebês. Oferecemos todos os benefícios, com projeto de humanização,  e incentivo ao parto normal com mínimo de intervenção”, ressaltou. No hospital, as cesarianas caíram de 70% para 45%. “Elas podem ter hoje os benefícios do parto domiciliar em segurança”, disse.

O reforço às boas práticas também foi ressaltado pelo médico obtetra Leonildo herrero Perandré, vice-presidente do Conselho Regional de Medicina de Mato Grosso do Sul. “O parto domiciliar pode ser direito da paciente, que deve ser devidamente documentado e explicado sobre os riscos que existem. Já peguei casos complicados da paciente que estava em parto domiciliar. O médico tem que fazer atendimento pelo bem. No ambiente hospitalar há mais respaldo. Algumas situações são resolvidas em questão de minutos. Por que se expor ao maior risco?”, questionou.  

A coordenadora do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), Maithe Galhardo, defendeu a importância de encarar a medicina como assistência em equipe. “Cada peça precisa funcionar em harmonia. Não há espaço para bandeiras radicais, a bandeira nossa é um feto e uma mãe saudáveis. Já fiz partos domiciliares de urgência e já fui em intercorrências de parto domiciliar eletivo que deram e não deram certo. Há uma diferença grande no recurso oferecido a paciente. O que diferencia é profissional saber a hora de parar. Precisa de um mínimo, que esse paciente tenha certeza dos riscos. Somos serviço buscamos resgate, buscamos a vida”, ressaltou. 

Parto domiciliar 

A audiência também contou com depoimento de mães que tiveram parto em casa e doulas que deram essa assistência no parto. A professora Letícia Couto contou a experiência do nascimento de seus dois filhos – primeiro num parto normal humanizado na Santa Casa e o segundo em casa.  No primeiro caso, recebeu toda a assistência, mas foi questionada por uma pediatra sobre a escolha do parto ter influência no filho estar com sopro no coração. “Esse tipo de questionamento, sem nos possibilitar contrargumentos deixa a mãe com culpa. Por que não criar essa rede para parto domiciliar, em que toda família pode estar participando? Precisamos criar equipes médicas, pessoas capacitadas e não estar afogando a rede hospitalar sem necessidade. A assistência pós parto em casa também não é adequada”, disse, em referência a ter tido dificuldade para que o filho fizesse o teste do coraçãozinho no hospital – indicado para todos os recém-nascidos – por ter nascido em casa.

A doula Larissa Lopes cobrou sobre os interesses econômicos envolvidos no tema. “Nunca estamos preparados para imprevistos.  Num País onde não temos medicina preventiva, é complicado falar de que estaríamos dentro do hospital para prevenir intercorrência”, disse. Ela relatou que no nascimento do primeiro filho, de parto normal em hospital, sofreu violência obstétrica. No segundo, fez a opção pelo parto em casa. 

O advogado Péricles Duarte Gonçalves, da Comissão de Direitos Humanos da OAB, opinou pelo direito de escolha da mãe. “A autonomia do paciente precisa ser preservada. Dentro dos hospitais também ocorrem fatalidades. O momento exige uma discussão ampla e não acho viável fecharmos opções. Estamos impedidos de enxergar o processo porque faltam estatísticas sobre parto domiciliar. Que essa opção de escolha não seja impedida”, disse. 

O protagonismo e o direito de escolha da mulher também foram ressaltados pela defensora pública Thais Dominato, coordenadora do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres da Defensoria. Ela relembrou alguns relatos de mulheres sobre gritos nos hospitais por parte das equipes, caso até de mulher que desmaiou ao lembrar de ter recebido uma epitoscomia traumática, ou ainda recusa de acompanhantes do sexo masculino. “A escolha é da mulher. Estamos avançando, mas não resolvemos a  questão das boas práticas como deveríamos. O que a gente busca na Defensoria é garantir o protagonismo da mulher. É um binômio mãe e filho. Em relação ao parto domiciliar, acho que deve ter o poder de escolher, mas a escolha deve ser consciente e devidamente informada, sabendo dos riscos”, disse. Ela falou ainda da importância de ampliar a humanização. “Não podemos deixar que o parto domiciliar seja uma falta de escolha, somente para fugir da dificuldade e da violência que ainda existe”, ressaltou. 

Milena Crestani 

Assessoria de Imprensa da Câmara Municipal