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Audiência sobre jogo revela aumento de tentativas de suicídio em Campo Grande

27.04.2017 · 12:00 · Audiência Pública

Problema de saúde pública e tabu na imprensa, sempre às margens dos principais assuntos nos veículos de comunicação, o suicídio foi tema de audiência pública, nesta quinta-feira (27), na Câmara Municipal de Campo Grande. O debate foi convocado pela Casa após diversos casos serem relacionados ao jogo Baleia Azul, que propõe uma série de desafios aos jovens –entre eles, tirar a própria vida.

Mais do que discutir os efeitos e perigos do jogo, a audiência expôs números preocupantes: entre 2012 e 2016, o número de tentativas de suicídio tem crescido de maneira gradual em Campo Grande. Foram 661 casos registrados há cinco anos, contra 845 no ano passado, o que representa um aumento de 275.  No total, 3.760 tentativas foram registradas no período. Os dados são do Núcleo de Prevenção à Violência e Promoção da Saúde da Sesau (Secretaria Municipal de Saúde Pública).

“Atualmente, quando uma pessoa dá entrada no serviço de saúde, um alerta é dado para disparar a rede de proteção a essa pessoa. Essas informações não ficam só para fins de dados, mas para assistência. Ela é atendida, encaminhada para o CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), e a unidade de resposta rápida, um serviço que tem na coordenadoria de vigilância, passa os dados da pessoa e a gente já passa esses dados para a saúde mental da Secretaria”, explicou Ana Paula de Aquino, técnica do Núcleo, sobre a rede de proteção de Campo Grande. Os dados da pasta mostram ainda que, desde 2012, a média anual de suicídios em Campo Grande passa de 40 casos. Somente em 2016, foram 42 óbitos de homens e outros nove de mulheres. 

Para o procurador de Justiça Sério Harfouche, que atuou junto à infância e juventude, os pais têm que acompanhar de perto o que se passa com os filhos. “Invasão de privacidade ou não, tenho que saber o que acontece com meu filho, o que passa na cabeça e no coração dele. Essa geração quer saber sobre sua identidade. Se isso não é encontrado em casa, eles estão vulneráveis a quem os coopte. Se é um traficante, logo vai se envolver com tráfico de drogas. No dia a dia, ainda há tempo de resgatarmos valores e princípios que foram, às vezes, negligenciados de forma involuntária. Vivemos dias em que os pais se sentem constrangidos em estabelecerem normas aos filhos com medo de serem taxados como autoritários”, afirmou.

O capelão Edilson dos Reis, do Corpo de Bombeiros, fez coro o procurador de Justiça. “Tem, sim, que cuidar o celular do seu filho. Não sou pai, e isso pode incomodar muita gente, mas sei o que é usar quatro horas negociando com um adolescente que jogou álcool no corpo e está com um isqueiro, e os pais nem sabiam. Não é invasão de privacidade, é cuidar de quem você ama”, cobrou.

Segundo a Prof.ª Dra. Bianca Cristina Ciccone Giacon, o suicídio na infância e adolescência abrange muito mais do que a proteção. “90% dos que têm comportamento suicida tem transtornos psiquiátricos associados. Entre os fatores de risco, estão abuso físico da criança, abuso de álcool, drogas, violência sexual, estresse pós-traumático, histórico familiar, entre outros. 

Ela apresentou dados da OMS (Organização Mundial da Saúde), que apontam um suicídio a cada 30 segundos no mundo. Além disso, a cada três segundos, uma pessoa atenta contra a própria vida. “Em 2012, 804 mil pessoas se mataram no mundo. Segundo a OMS, o homem se mata quatro vezes mais que as mulheres”, complementou.

A reunião foi proposta pelo vereador Fritz e mobilizou todas as comissões pertinentes ao tema, que abrange diversas especialidades, como saúde, educação, cidadania e direitos humanos, segurança pública e juventude.

Tabu – Para o médico Médico Psiquiatra e Psicanalista da Sociedade Psicanalítica de Mato Grosso do Sul, Paulo André Borges, o assunto deve ser, sim, discutido abertamente, principalmente na mídia.  “Existe uma discussão na imprensa se deve falar ou não sobre isso, se isso aumentaria ou não o número de casos. Imagine: se a gente falar para nossas filhas sobre sexualidade, vai fazer com que ela engravide? É evidente que, quando a gente quer esclarecer uma situação, precisamos conversar sobre ela”, disse. “A abordagem do suicídio não pode ser individual e psiquiátrica. Suicídio tem componente social e cultural muito grande. Hoje em dia, o que acontece? Eu vejo o suicídio como um sintoma social. Não é só um sintoma individual. É uma doença que afeta pessoas que, aparentemente, não deveriam ser afetadas. Por que um médico ou um padre vai se matar? Por que existe um preconceito contra a doença psiquiátrica. Você esconde isso de todo mundo e não procura ajuda. Por isso sou favorável que a gente fale abertamente sobre suicídio”, prosseguiu.

“Esse jogo Baleia Azul vai nessa onda. Jovens que estão deprimidos, angustiados, desorientados pela vida, e acham que o único jeito de resolver o sofrimento é se matando. É a dor emocional que é, muitas vezes, maior que a dor física. A maior dor que tem é a dor mental, emocional, é a dor de perder suas capacidades físicas e intelectuais. É o medo do sofrimento, da loucura, é perder aquilo que você mais ama. É isso que faz as pessoas mais sofrerem”, finalizou.

Para o vereador Fritz, um dos que propuseram a audiência, é preciso fortalecer as bases da criança, como a família. “Essa audiência é o inicio de um grande debate, de uma grande construção, que envolve a proteção e o cuidado com a criança e o adolescente neste tema. São cuidados que, hoje, estão negligenciados por outros fatores e por outros atores. Precisamos fortalecer a família, cuidar da família. Fortalecer e cuidar quem cuida, quem observa, quem ajuda. Temos que fortalecer a criança”, propôs. 

Jeozadaque Garcia
Assessoria de Imprensa da Câmara Municipal